Filho de pioneiros, o juiz em Mato Grosso do Sul mantém laços estreitos com Paranavaí
ADÃO RIBEIRO
Da Redação
Doutor Roberto Ferreira Filho é juiz de destaque em Mato Grosso do Sul com iniciativas pioneiras que levam a justiça para as pessoas mais simples, através de ações itinerantes e de uma linguagem acessível. Professor universitário de formação acadêmica sólida. Esse é Ferreira Filho que o mundo formal conhece e respeita. Mas vamos falar também do Robertinho, filho de Paranavaí. Igualmente respeitável, o Robertinho foi vice-prefeito e se identifica como um admirador da política com “P” maiúsculo. Ele visitou a redação do Diário do Noroeste na última segunda-feira (10) e concedeu entrevista exclusiva.
Ferreira Filho mantém laços estreitos com Paranavaí e sempre que pode passa alguns dias na cidade. De família pioneira, Robertinho é filho do advogado Roberto Ferreira, falecido no dia 21 de setembro de 2023, aos 91 anos. É neto de Rodrigo Ayres de Oliveira, que dá nome à popularmente chamada Praça do Teatro de Paranavaí.

Foto: Ivan Fuquini
A virada dos anos 1990 para o século XXI foi de mudanças profundas na vida do paranavaiense Robertinho. Ele foi eleito vice-prefeito de Paranavaí na chapa de Deusdete Ferreira de Cerqueira no ano 2000. Renunciou ainda no início do mandato para assumir o cargo de juiz por aprovação em concurso público em Mato Grosso do Sul. Hoje tem a carreira destacada, entre outros fatores, por causa do seu trabalho de referência sobre direitos da infância e juventude.
O juiz tem apreço pela política, mas adverte que se refere à política com “P” maiúsculo, em outras palavras, da arte ou ciência de governar visando ao bem comum. Defende o debate com os diferentes para que haja entendimento entre todos. Na visita ao DN, o juiz estava acompanhado do advogado Antônio Homero, ex-procurador do município de Paranavaí.
Confira os principais trechos da entrevista:
DN – Vamos falar “daqueles tempos”. Conte um pouco da sua vivência em Paranavaí e da família, das origens, já que seus pais são pioneiros da cidade.
Doutor Roberto – A família da minha mãe chegou antes de Paranavaí ser município, na década de 1940, quando meu avô materno, Rodrigo Ayres, se mudou. Meu pai chegou um pouco depois, em 1956, já como advogado. Eu nasci em 1973. Sou o mais novo de quatro irmãos. Fiz toda a formação aqui até o ensino médio, quando fui para Campo Grande e Curitiba. Depois, me formei em Maringá e retornei a Paranavaí até o ano de 2001. Meus pais ficaram aqui até 2013 e infelizmente recentemente os dois faleceram. Então é uma história de Paranavaí de quase 80 anos de convivência familiar com essa terra querida.
DN – Para as pessoas reconhecerem, você é filho do Dr. Roberto Ferreira e tem muitas histórias nessa região. Fale também um pouco do seu pai.
Doutor Roberto – É com muito orgulho. O meu pai foi diretor da então Fafipa, agora Unespar. O pai foi diretor do Colégio Estadual de Paranavaí, foi presidente do MDB por muito tempo na época do regime militar. O pai foi procurador jurídico da Câmara, foi vereador. Então, o pai teve uma história na educação, na política, bem intensa. E advogou até os 90 anos. Meu pai se formou na USP na década de 1950. Teve aula, por exemplo, com Miguel Reale, o grande Miguel Reale. Foi colega do Plínio de Arruda Sampaio.
DN – Fale um pouco da sua carreira de juiz.
Doutor Roberto – Eu assumi a carreira em 2001 e as pessoas perguntam por que Mato Grosso do Sul? Por três razões: a primeira porque eu iniciei a faculdade em Campo Grande. Retornei ao Paraná e me formei na Universidade Estadual de Maringá. Então, primeira razão: porque eu já conhecia o Estado. Segundo, porque como eu vim da atividade política e saí daquela atividade político-partidária, seria importante virar a página. E terceiro, porque eu tenho a minha irmã Adriana, que é a juíza aqui no Paraná, em Curitiba, já há bastante tempo. Por isso um estado diferente, mas que eu já tinha vínculo para começar a carreira.
DN – Hoje você conseguiu um protagonismo importante e ganhou o rótulo de juiz garantista. Para nós, leigos, há uma vaga impressão do que seja. Mas é importante você falar um pouco disso.
Doutor Roberto – Eu sou juiz da 1ª Vara Criminal de Campo Grande e antes trabalhei muito tempo na Vara da Infância. Quando você trabalha com essas questões que lidam diretamente com o ser humano, com a liberdade, tem duas correntes mais comuns. Você tem um caminho que é mais, vamos dizer, punitivista, que é aquele que enxerga a dureza da lei tão somente. E você tem a linha garantista que considera que as garantias processuais de qualquer acusado devem ser preservadas para que a decisão seja justa. Quanto mais garantia de defesa, mais recurso do contraditório, mais legitimada é a sua decisão. Mas muitas pessoas não compreendem, confundem. O garantista não é aquele que protege o acusado. O compromisso do garantista é proteger o que diz a Constituição Federal. É ter advogado, promotor, a certeza de que o seu julgamento vai ser feito de maneira imparcial, equilibrada, dando espaço para as partes se manifestarem, toda decisão devidamente fundamentada. Então esse é o perfil do juiz garantista.
DN – Você se tornou muito conhecido pela preocupação com o acesso do povo à justiça. Como se deu na prática?
Doutor Roberto – O maior compromisso do sistema de justiça, do Poder Judiciário e de outras carreiras jurídicas é você garantir o acesso à população. No estado nós temos uma região que é pantanal, nós temos a segunda ou terceira maior população indígena do Brasil e uma gama de pessoas de outros estados. Se não facilitar o acesso, as pessoas que menos têm, menos acesso vão ter. A justiça itinerante, por exemplo. Nem toda cidade é Comarca. O que significa? Não tem prédio de fórum, não tem juiz, promotor, defensor. O que o Tribunal implantou e eu tive a honra de participar é a justiça itinerante. É uma carreta equipada que vai até o local. Antes da chegada do juiz, divulgam-se as datas para as pessoas procurarem. Os pedidos são colocados no papel e o juiz vai fazer a audiência, vai decidir, vai conversar com a população que não teria acesso sem esse projeto. Um outro projeto que eu me orgulho muito de ter feito quando eu era juiz lá na fronteira com a Bolívia, em Corumbá, foi atender uma outra cidade chamada Ladário, que tem vários assentamentos e a população tinha que se deslocar quilômetros. A pessoa ia de barco, horas pra chegar na cidade de Corumbá. Então, nós criamos a Justiça Itinerante também naquela região. E a repercussão é a melhor possível. A população se sente valorizada, acolhida, enxergada, visualizada pelo poder público.
DN – Chegando a Paranavaí. O Roberto é professor universitário e esteve na cidade hoje [segunda-feira, dia 10], na Unespar. Fale um pouco dessa atividade.
Doutor Roberto – Foi uma emoção pisar na Unespar, antiga Fafipa, a casa onde meu pai foi diretor, e assim que eu entrei lá no corredor, uma das primeiras fotos que eu vi foi do meu pai, que além disso foi professor da instituição e aluno do curso de Geografia. Minha mãe também foi aluna de Letras, da antiga Fafipa. Então foi uma emoção. Eu fiquei muito feliz em ver a qualidade dos professores e dos alunos da Unespar. Conversei com vários professores, alguns que eu já conhecia anteriormente. O índice de aprovação no Exame da Ordem (OAB) é muito alto. É um termômetro importantíssimo para mostrar a qualidade dos alunos. Eu falei sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, que este ano completa 35 anos de vigência, sobre os seus avanços, seus desafios, os riscos de retrocesso.
DN – Você já está há mais de duas décadas em Mato Grosso do Sul e tem as suas origens em Paranavaí. O Roberto é mais paranavaiense ou mais sul-mato-grossense?
Doutor Roberto – Com absoluta certeza sempre paranavaiense. Em todos os eventos, palestras, aulas, audiências, quando eu posso, eu sempre digo que sou paranavaiense, com muito orgulho. Quando eu me mudei, disse numa última entrevista que me sinto obrigado a sempre me colocar à disposição de quem precisar, da instituição que precisar para ser um apoiador, um colaborador. E ao longo desse tempo eu dialoguei com todos os prefeitos da cidade dando algumas sugestões na área da segurança pública, na área da educação, na área da infância e juventude, todos me receberam muitíssimo bem. Só não tive chance de conversar ainda com o prefeito Mauricio Ghelen, mas vou fazê-lo o quanto antes, porque a gente tem que colaborar. Enfim, sou paranavaiense de coração. Sempre brinco que Paranavaí é minha mãe. Tenho um carinho, uma consideração enorme pelo Mato Grosso do Sul, mas sou paranavaiense da gema, digamos assim.
DN – E chegando lá no ponto de partida, quando houve essa necessidade de mudança, Roberto era vice-prefeito e a política, naturalmente, está no sangue e isso não se renuncia por nenhum decreto. A aposentadoria chega em um médio espaço de tempo. Poderia o Roberto retornar à política, inclusive partidária?
Doutor Roberto – Eu acredito, sinceramente, que sim. Primeiro que as convicções a gente não apaga, não afasta. Para quem já me conhece há mais tempo, só digo o seguinte: as mesmas ideias, os mesmos ideais, os mesmos compromissos, a mesma realidade de mundo, eu mantenho. E vejo a política como o único instrumento de você lidar com o macro, com a transformação efetiva da sociedade. Eu posso atualmente ajudar, nessa ou naquela medida, mas lidar com o macro é pela via política. O governador Leonel Brizola dizia que o cavalo passa encilhado uma ou duas vezes, se você não está [preparado], às vezes não aparece mais. Então, nem tenho essa pretensão de disputar eleição, mas no futuro quero contribuir mais abertamente com as causas que eu acredito. Então, sim, eu tenho o desejo de participar quando me aposentar e, de preferência, ajudando a pensar a nossa cidade, a pensar Paranavaí.































